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Pensar o futuro: o mercado sul-coreano

25.05.2020 • 11:15
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Na edição de hoje, concentramos a atenção no mercado sul-coreano, o qual apresentava índices de crescimento absolutamente notáveis. Um mercado com um potencial tremendo que importa analisar.

Trata-se de um mercado sedento de experiências novas, profundamente interessado em património, gastronomia e religião. No imaginário dos turistas sul-coreanos, o destino Fátima desempenha um papel crucial.

O Delegado do Turismo de Portugal nos mercados do Japão e Coreia do Sul, Dr. Oto Oliveira, na “Tourism Trade Talk” da passada sexta-feira, organizada pelo Turismo de Portugal, em colaboração com NEST, elabora um retrato muito aprofundado e esclarecedor dos mercados do Japão e da Coreia do Sul e da situação actual no que respeita ao combate à pandemia. Aponta, igualmente, pertinentes linhas de reflexão para o futuro. Acredita que o Verão será ainda muito direccionado para o turismo interno.

Leia ainda a situação actualizada do mercado sul-coreano no guia “COVID-19 – Mercados Externos”, (última actualização a 22 de Maio) publicado no portal Travel BI do Turismo de Portugal.

Texto da autoria do Delegado do Turismo de Portugal, no Japão e na Coreia do Sul
Dr. Oto Oliveira


“Annyeong ou Olá em Coreano.
Pensar em turismo enquanto o Mundo atravessa um dos maiores e porventura mais perigosos desafios pode parecer incongruente e até provocatório sobretudo para aqueles que direta ou indiretamente estiveram envolvidos e/ou enfrentaram de uma ou outra forma os seus terríveis efeitos. Esta constatação é transversal a todas as partes envolvidas no negócio e em ambos os pontos do globo, daí o necessário cuidado na forma como devemos lidar e interagir no futuro próximo com os envolvidos. As feridas estão ainda abertas e os medos e receios limitam a normal postura propícia ao negócio.
Não me irei debruçar neste artigo sobre a forma como o País está a lidar com o vírus e qual o seu verdadeiro impacto na economia e na sociedade; estaremos todos certamente já cansados e anestesiados com as notícias que nos enchem diariamente os écrans, mas julgo ser importante notar de que o modelo adotado pela Coreia do Sul tem sido apontado pela OMS como um exemplo a seguir. Apesar de não terem seguido as medidas de confinamento extremas adotadas pelo seu vizinho Chinês mas adotado, em contrapartida, medidas rigorosas de afastamento social, proteção individual (distribuição massificada de máscaras) e generalização de testes para despiste da doença, as repercussões económicas foram e são avassaladoras para as pessoas e empresas do País. Atendendo à magnitude do problema, quaisquer que fossem as medidas adotadas pelo governo, estas teriam sempre limitações e não conseguiriam colmatar todos os problemas. Ciente dessas limitações, a população sufragou nas urnas a exemplaridade das ações implementadas – a Coreia do Sul realizou eleições no meio da pandemia -, tendo o governo recolhido cerca de 60% dos votos e assumindo assim o voto de confiança da população.
Destacaria apenas que essas medidas incluem apoios diversos conducentes à manutenção dos empregos e financiamentos a empresas em sectores estratégicos, incluindo o turismo. Realçaria uma delas não só pela sua curiosidade e originalidade mas pelo facto de poder vir a ter repercussões no fluxo turístico para Portugal: atendendo a que nos meses que antecederam a crise do Covid19 já se faziam notar alguns sinais de crise no setor aeronáutico, em parte causadas pelo despertar de algumas feridas históricas ainda mal saradas entre a Coreia do Sul e o seu vizinho Japão – o acidificar das relações entre os dois governos fez diminuir o gigantesco fluxo aéreo entre os dois Países em cerca de 80% -, o governo Sul Coreano proactivamente estimulou (com importantes apoios financeiros) as duas companhias aéreas mais importantes no sentido de diversificarem os mercados e incentivando-as a lançar ou reforçar novos destinos. Deste impulso surgiu o reforço – ou pelo menos o interesse -, do número de frequências semanais (2 para 4) no recentemente lançado direto entre Seul e Lisboa.
O objetivo deste artigo é o de tão só despertar os menos atentos para este interessante mercado e dar-lhes algumas dicas sobre como poderão pensar em juntá-lo ao seu portfolio.
Se é verdade que a Coreia do Sul começa a apresentar-se como um importante mercado para Portugal, é no Centro de Portugal que a sua importância atinge valores que o posicionam como um mercado estratégico. Se as 315.000 dormidas de Sul Coreanos em Portugal poderão diluir-se e passar quase desapercebidas nas quase 4 milhões alcançadas em 2019, o mesmo já não se poderá dizer das quase 90 mil dormidas que representaram quase 20% dos turistas que visitaram o Centro de Portugal; essa importância é ainda mais reforçada não só pelo momento do ano em que elas maioritariamente ocorreram mas também pela estabilidade da sua curva sazonal.
A Coreia do Sul é, em termos asiáticos, um pequeno País, com “apenas” 51 milhões de habitantes, distando cerca de 10 mil quilómetros de Portugal. Para os menos atentos, o negócio turístico entre Portugal e a Coreia do Sul deveria, “racionalmente”, ser residual e muito pouco expressivo. O que está na origem da “irracionalidade” que vivemos e o torna tão apetecível para muitas empresas Portuguesas de Norte a Sul de Portugal? Haverá sempre a resposta óbvia e fácil da existência de Fátima e do facto de 11% da população (5,8 milhões) ser Católica tornando-o assim um mercado com um potencial tremendo para o Turismo Religioso. Não querendo menosprezar a importância de Fátima e o seu importante elemento catalisador, atrever-nos-íamos a dizer que é Portugal e as suas gentes que tornam o destino tão único e especial para os Sul-Coreanos. Se é verdade que o “íman” de Fátima pode e deve ser mais e melhor aproveitado, é também verdade que o “grande salto” qualitativo e quantitativo deste mercado só acontecerá quando soubermos juntar ao fator único e inimitável de Fátima uma panóplia de atrações e destinos dentro do destino que “obriguem” o turista a querer ficar mais tempo no nosso País. O aumento da estadia média – cerca de 1,5 dias em Portugal (2019) -, é efetivamente um dos grandes objetivos e que tem concentrado uma boa parte dos nossos esforços. A estratégia tem passado pelo reforço da ideia da “diversidade concentrada” de Portugal, uma das grandes bandeiras promocionais, para atrair e, claro, satisfazer, mais e melhores turistas Sul Coreanos. Mas para além desse poderoso USP, que mais pode oferecer Portugal para fazer alguém sentar-se num avião durante 14 horas e viajar 10 mil quilómetros? O que o distingue dos demais?
Começaríamos a resposta pelo fim, ou seja, pelo feedback verdadeiramente positivo dos turistas que nos visitaram e reportaram aos agentes que nos recomendaram. Que ofereceu Portugal que os outros não lograram fazer tão bem e que justifica a diferença sentida no grau de satisfação?
Há três ou quatro ideias-chave nesse feedback que mostram que é Portugal, o verdadeiro Portugal, que os Sul-Coreanos procuram. Desde logo, e sem delongas, o realce para a segurança. Segurança que é claramente percebida, sentida (e persentida) pelos que nos visitam; há também a amabilidade da população e a forma como se sentem acarinhados por todos; há igualmente a gastronomia que os encanta pela sua simplicidade e originalidade; realce também para a riqueza da História, mas sobretudo para a riqueza das pequenas “estórias” que estão na origem de, por exemplo, uma garrafa de vinho ou de um qualquer segredo gastronómico, conferindo-lhe autenticidade, emotividade e a pureza que o tornam tão único e atraente; há também a comunicação e o facto de nos esforçarmos por comunicar e querer contar a nossa História e “estórias” com carinho e orgulho. Frisamos que a comunicação aqui ultrapassa a própria capacidade em comunicar numa Língua comum (Inglês), facto que é frequentemente referido; referimo-nos à vontade genuína de queremos comunicar e “gritar” o nosso Portugal, algo que nos é tão próprio e que definitivamente nos distingue de outros destinos nossos concorrentes; há também o interesse em ser parte da “estória” e aprender o como e o porquê e o de ativamente aprender a fazer. Veja-se o interesse nas aulas de olaria, gastronomia e na pintura de azulejos como meros exemplos desta vontade genuína de mergulhar na nossa cultura.
No pós Covid19 e nas alterações que podemos já imaginar que irão ocorrer na mente dos que vivenciaram estar confinados a um espaço limitado durante várias semanas, sentimos que Portugal, o verdadeiro Portugal, enquadra-se naquilo que os “novos” turistas procurarão quando lhes for dada a oportunidade de lançar-se à aventura.
Há várias luzes orientadoras para o futuro próximo que não nos são favoráveis mas que serão ultrapassadas a seu tempo: a primeira diz respeito ao faseamento da escolha dos primeiros destinos – sabe-se que os primeiros beneficiados serão sobretudo os destinos de proximidade e só depois as aventuras se estenderão a destinos mais longínquos; a segunda prende-se com os segmentos que irão despertar primeiro sabendo-se que o que irá despertar primeiro será o turismo de negócios, depois os FIT, seguindo-se os package tours e só no final os Grupos. Da nuvem do Covid19 resultarão também alterações profundas na forma como se viaja e sobretudo na forma como se marca a viagem, sendo previsível uma diminuição do papel intermediário das agências caso estas não saibam adaptar-se ao novo modelo, e, por último, uma consequente diminuição da importância do B2B no negócio turístico.
É também nessa nuvem cinzenta que ocorrerá o previsível lento despertar das companhias aéreas e a imprevisibilidade da priorização das rotas, sendo certo que irão escolher lançar primeiro as que se provarem mais rentáveis.
Mas há a maior de todas as nuvens, aquela que demorará mais tempo a dissipar-se: a nuvem do medo. Medo de apanhar a doença num destino longínquo; medo de ser segregado e ignorantemente rotulado de “asiático”, medo de não ser bem visto pela população. Se é verdade que em alguns destes medos e luzes menos brilhantes, Portugal pouco poderá fazer para alterar a “ordem natural das coisas”, é também verdade que Portugal tem sabido preparar-se para o pós covid19, a começar pelo recentemente lançado Selo de Garantia (Clean & Safe) e pelo facto de sermos um País que tradicionalmente recebe “com braços bem abertos”, sem exceções, sem segregações, todos os que escolheram o nosso País para gozar umas merecidas férias. O facto de termos sido sábios na forma como lidamos com a proliferação do vírus e o menor impacto que está a ter no número de pessoas afetadas irá também ajudar a passar uma mensagem de sapiência, maturidade e de serenidade de um País que, tal como a Coreia do Sul, sabe o que quer e para onde quer ir. Estamos, pelo atrás exposto, convencidos que algumas das nuvens se dissiparão mais depressa no caso das viagens para o nosso País. No momento em que escrevo este artigo, (28/04/2020), a procura e reserva de viagens no mercado interno disparou mostrando que os Sul-Coreanos estão já predispostos para viajar. Se lhes soubermos mostrar que também nós soubemos lidar superiormente com a proliferação do vírus e se conseguirmos garantir segurança nas viagens e estadia, estamos convictos que os seus olhos estarão atentos ao nosso País.”

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